VIVER O CENTRO, CRIAR A
HISTÓRIA
(da vila de ontem à
cidade de hoje)
A vila de ontem
“... Em Torres Novas,
os acontecimentos marcantes decorriam, sobretudo, no Centro da Vila: desfiles e
procissões, cortejos cívicos e de beneficiência, espectáculos e concertos de
bandas, recepções e manifestações, feiras e mercados. E o povo acorria à vila,
interessado ou simplesmente curioso...”, Joaquim Rodrigues Bicho em, «Torres Novas, Memória e
Costumes».
Situada entre Santarém e Fátima, vértice de um triangulo no
Médio Tejo, cujos outros polos são Tomar e Abrantes, Torres Novas tem uma
localização invejável, protegida pela Serra, banhada pelo Almonda, próxima do
Tejo e da lezíria e, hoje, vizinha da A23 que a aproxima ou afasta do mundo,
qual copo meio cheio ou meio vazio, conforme a sede de quem nele pega.
Bastará recuar a meados do séc. XIX para se perceber a
importância da localização geográfica da então Vila de Torres Novas.
Foi nesta terra de média dimensão que desde há muito se
instalaram gentes que empreenderam, construiram, viveram e debandaram.
Instituições, colectividades e empresas a pedir meças ao que
de melhor havia por outras paragens: a Misericórdia, os conventos e as igrejas,
as fábricas de tecidos e as metalurgias, a Banda Operária, o Montepio e o Club
Torrejano, a Escola Prática de Cavalaria (hoje de Polícia), todas as Escolas e os
Colégios, o Grémio da Lavoura e o Teatro Virgínia, os Bombeiros, a GNR e PSP, a
Central Eléctrica, o Tribunal, as Piscinas, o Gimno Desportivo, a Central de
Camionagem e o Centro de Saúde, o velho Hospital, o Phydellius, o Museu e a
Biblioteca, tudo isto, a vila foi capaz de empreender.
No centro conviviam mercearias, padarias, talhos e
salsicharias, pensões, cafés e tabernas, alfaiates e chapelarias, sapatarias,
marcenarias e lojas de ferragens, tipografias, livrarias e oficina.
No centro lá estavam médicos e advogados, enfermeiros, parteiras
e veterinários.
E as artes e ofícios de então: o latoeiro, o ferreiro, o
tanoeiro e o cesteiro. E o albardeiro, o correeiro e o amolador.
No centro, a vila pulsava semanalmente com o mercado das
segundas-feiras, que se espraiava da Praça por ruelas e largos vizinhos.
No centro vivia-se e convivia-se.
A cidade de hoje
Em meados dos anos 80, com a elevação da vila a cidade, a
entrada de Portugal na Comunidade Europeia, e a construção da IP6/A23, a cidade
descentralizou-se, crescendo à volta dos grandes espaços comerciais e das novas
zonas residenciais. Os edifícios âncora afastaram-se do centro: os hipermercados,
o novo mercado municipal, o hospital novo, o torreshopping, o retail park.
Tudo isto contribuiu para a deslocalização do comércio, dos
serviços, das pessoas.
A cidade de hoje, qual donut urbano (citando Jorge Simões),
está cada vez mais vazia no centro e recheada por fora.
Os problemas são os de quase todas as cidades de média
dimensão e de interior: despovoamento, envelhecimento, precariedade dos edifícios,
estacionamento.
Olhando para os Census de 2011, o Médio Tejo assistiu a um
decréscimo da população, a um aumento do nº de famílias (mais famílias, mas
mais pequenas) e a um desajustado crescimento do edificado (mais edifícios para
menos pessoas), ao invés do Oeste que viu a sua população aumentar em cerca de
7%.
Apesar de tudo, Torres Novas apresenta índices menos
preocupantes que Abrantes ou Tomar, beneficiando da sua localização de
excelência. Nos últimos 10 anos, o concelho viu estabilizar a sua população.
Na cidade, dos cerca de 12000 residentes, o centro histórico
representa 10%.
São cerca de 500 famílas, 70% das quais com apenas 1 ou 2
elementos.
O meu testemunho
Instalei-me como alfarrabista no centro histórico há apenas 2
anos. Muito pouco tempo quando comparado com outros logistas que há muitas
dezenas de anos têm assistido aos altos e baixos de uma realidade
confrangedora.
Falando com alguns deles, falam do mercado que saíu da praça,
dos carros que não estacionam, das gentes que deixaram de vir.
Falam do passado com saudade, do presente com preocupação,
mas sinceramente, pensam no futuro com uma réstea de esperança. É por isso que
resistem.
Porque sentem que o seu centro histórico ainda tem uma
palavra a dizer. Assim haja vontade política, competência técnica e
conhecimento de causa.
Falar de lojas fechadas e edifícios degradados é hoje
recorrente.
Apontar soluções, sempre foi mais difícil.
Muito já foi dito e escrito sobre esta problemática. Vários
investigadores e especialistas em gestão urbana fizeram seguramente os melhores
e mais completos diagnósticos da situação.
Resta-nos encontrar pistas para minimizar e inverter uma
tendência de esvaziamento do coração e da alma da nossa cidade.
Aceitei participar nesta “sexta de ideias” pelo tema em
debate. Não me movo por interesses político partidários, respeitando quem os
tem e tentando manter um olhar crítico e independente sobre o país onde nasci e
a cidade onde vivo.
Agradeço ao Bloco de Esquerda ter-me feito saltar do sofá por
uma boa causa.
Ser alfarrabista é uma aventura.
Poder sê-lo ao pé da porta, no Centro Histórico de Torres
Novas, é um privilégio.
É isso que tento fazer todos os dias.
(intervenção efectuada em Torres Novas, na alcaidaria do
castelo em 11 de abril de 2014, a convite do Bloco de Esquerda de Torres Novas,
no âmbito da «Sexta d’Ideias – Viver o
centro, Criar a história»).
Adelino Pires
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